Eu era um jovem criado em um contexto urbano e rural. Gostava da natureza, andar a cavalo, vender leite de carroça… Era até engraçado porque vendia leite de dia e de noite ia estudar no centro da cidade. Era rural e urbano.

Eu e meu irmão sempre estávamos ligados a coisas que pudessem nos dar retorno financeiro. Ao tempo que isso gerava um retorno, dava a sensação aos outros que éramos homens da casa. Isso nos fez crescer em meio a pessoas mais velhas e hoje vejo um problema o fato de eu ter crescido com pessoas com mais de 20 ou 30 anos. Porque algumas das pessoas adultas com as quais eu convivia bebiam.

A gente cresceu nesse contexto e, querendo ou não, a gente absorve isso. Posso assumir que isso trouxe consequências para minha vida. O consumo da bebida alcoólica aconteceu de modo recreativo a princípio. Era divertido beber com os amigos e ainda mais divertido beber escondido dos pais. Não era habitual, mas bebia. Para mim, isso não era um problema porque as notas da escola continuavam boas, não havia problema para o bairro, então não tinha problema. Eu achava que, na força da juventude, eu dominava a bebida e não o contrário. Na verdade, não se percebe que você já está dominado.

Minha mãe faleceu e o consumo da bebida aumentou muito. Nesse período eu acredito que entrei em um estágio degradante da minha vida porque eu lembro que a primeira coisa que aconteceu foi que minha casa acabou. Tínhamos eletrodomésticos sofisticados para o nosso contexto e para aquele tempo e eu vi essas máquinas virando morada de morcegos e ratos. Minha casa se destruiu. Meu pai sofreu muito e logo contraiu um novo relacionamento. Minha irmã já havia saído de casa, mas eu e meu irmão ficamos. É um momento difícil porque percebi que não tinha mais família. De olhar para o mundo e ver que era apenas eu e a vida. E a vida era séria e tive que enfrentar isso, mas sem ter a estrutura para enfrentar. Faltou o núcleo familiar.
Minha vida acabou ali. É o momento em que não tinha mais nada. Eu trabalhava para sustentar o vício. Recebia na sexta-feira e no domingo à noite já tinha dívida no bar de novo. Minhas roupas eram as piores… e estou falando de um jovem com apenas 17 anos.

Aos 20 anos prestei vestibular e fui aprovado, mas, quando comecei a estudar, logo abri mão da faculdade. Voltei a trabalhar na feira e a beber. Estava bem perdido. Foi nessa época em que cometi um homicídio. Trabalhava com um amigo que estava com um problema extraconjugal e essa relação começou a afetar seu relacionamento com sua família. A amante dele começou a ameaçá-lo, dizendo que ia destruir a família dele. Eu acabei tomando as dores dele. Pensei comigo que não poderia deixar uma família ser destruída. Na verdade, ele mesmo já estava destruindo a própria vida, mas eu não parei para pensar nisso na época. Eu só entendia que a família dele era muito bonita e não podia ser destruída como a minha tinha sido no passado.
A história aqui não foi que a vítima se tornou culpada. Não é isso! A história é que agimos de maneira insana mesmo, cometendo esse ato de tirar a vida de alguém. Foi a coisa mais insana da minha vida! A família dele foi destruída, a família da vítima e a minha foram destruídas. Acabou tudo!

“A prisão trata algo que está além de um crime”
O processo do julgamento se arrastou por dois anos e, nesse período, fui me envolvendo com o evangelho dentro da prisão. As pessoas comentavam, dizendo que eu tinha um futuro no Reino de Deus e eu brincava: “Que futuro o quê? Vamos aceitar o perdão, mas não vamos nos esconder atrás da Bíblia”. Nesse tempo fui descobrindo que havia uma chamada mesmo. E descobri que se eu não tivesse a Bíblia como escudo e Cristo como defensor, ninguém o faria. Hoje assumo que dependo da fé em Cristo.

Percebi então que minhas experiências na cadeia me levaram a crer que minha prisão trata algo que está além de um crime. Minha prisão quer tratar comigo dos problemas de minhas escolhas, do meu modo de pensar… foi quando comecei a perceber que as pessoas ali podem se reabilitar.

No segundo semestre de 2009 fui sentenciado a 14 anos de prisão. [Recentemente até encontrei o juiz que me sentenciou e a gente se abraçou. Foi engraçado eu olhar para ele e contar toda a história, dizendo: “Olha o que eu fiz com a cadeia que você sentenciou?”] . No dia 11 de setembro de 2009, fui transferido da carceragem para o presídio. Com essa sentença, todo mundo chegava e dizia que servir a Deus no presídio era mais difícil. Eu estava com esse desafio, de permanecer cristão mesmo tendo mudado de unidade, de percepção de vida. Digo isso porque às vezes rola um discurso irresponsável como se o preso tivesse que ser absolvido porque aceitou a Cristo. O que aconteceu é que Deus tinha coisas para mim no meu processo de prisão.

Eu queria permanecer em Cristo. Cheguei a São Cristóvão, onde tive o primeiro contato com a capelania prisional da Convenção Batista Carioca. Eu começo a meu envolver com os trabalhos de culto ali, mas percebo que também tinha que voltar a estudar. O que fiz um ano depois da minha chegada.

Depois de perdidas algumas oportunidades de cursar uma faculdade por causa da minha restrição de pena, passei novamente para a UERJ. Em 2013, minha pena havia progredido e mudado para semiaberto e recebi autorização da Justiça para cursar a faculdade.

A crise agora era: “Como vou viver lá fora? Aprovado numa faculdade pública e lá está cheio de gente”. Mas prometi para mim mesmo que precisava viver e nessa fase fui fortalecido pelo Pr. Cláudio e outras pessoas. No dia 24 de abril de 2013, depois de seis anos de pena cumprida em regime fechado, as portas se abrem.

“Não sou exceção. Há pessoas como eu por aí”
Foi um choque. Um monte de novidades que nunca havia visto na vida, a agitação, telefone touch e com internet. Todo mundo plugado e eu achando que todo mundo sabia da minha vida e que iam me matar… eu cheio de medo. No meu primeiro dia de aula, Pr. Cláudio estava lá na porta da faculdade, me esperando. Quando nos encontramos, ele disse: “Olha aí onde você está? Agora vai viver”. A gente se abraçou e eu chorei muito.

Sempre vou me lembrar da atitude de Paulo, falando sobre Filemon: “Recebe esse rapaz de volta, mas não como escravo, e sim como irmão porque ele é muito útil para mim”. Tem valores e potenciais úteis para o Reino. Em alguns momentos, vejo o próprio Deus dialogando com sua igreja sobre essa questão: “Recebe o Samuel, mas não como preso, homicida, alcoólatra, fracassado. Recebe ele como irmão precioso”. Não sou exceção, há pessoas como eu por aí, que já viveram isso e que estão em busca de oportunidades.