Vivemos em um mundo em crise, onde os paradigmas e os absolutos estão em falta, ou sofrem um tal questionamento, que não nos servem mais para uma visão correta das coisas; onde a impunidade e a injustiça vêm de encontro à própria vida; como sempre foi, mas só que hoje ela é vista como algo de valor para muitos, quer na vida social, política e eclesiástica, somos levados a concluir que, neste novo milênio, estruturas consideradas corretas, estão passando por grande dificuldades. Se somos obrigados a reconhecer tal fato, por um lado, não podemos permitir que tudo isso que aí está, venha abalar a fé que temos em Cristo.

Nos tempos do profeta Isaías não era diferente: a morte do rei Uzias provocou uma profunda crise em Israel. Ele era um rei querido e considerado, que promoveu grandes reformas na vida do povo, na religião, alguém em que o povo tinha grande segurança. Sua morte foi como se o horizonte sumisse, os valores perdessem o sentido – um tempo
onde se tinha muitas perguntas e poucas respostas.

Como podemos dirigir a vida onde há mais temores que certezas, mais medos do que verdades, mais dúvidas do que convicções? Em tempo de crise, pandemias e guerras, o mundo reclama homens que tenham visão (pessoas que lhes apontem caminhos e lhes ofereçam respostas)! Diante dos desafios do seu tempo, Isaías foi ao Templo, onde pode
contemplar através de uma visão o Rei – não o rei Uzias moribundo – mas o Rei, o Senhor dos Exércitos, (6.1). O impacto desta visão realçou a necessidade de santificação pessoal para o profeta, para o Povo e para as nações. Hoje nós e a nossa sociedade precisamos reconhecer que há lábios impuros em nosso meio e só a graça e a misericórdia do Senhor são a causa de não sermos consumidos.

O chamado profético implica numa visão de Deus – visão teológica

Em meio à crise e ao caos do seu tempo, o profeta, em busca de respostas, teve uma visão de Deus (cap 6.1s). Isaías viu a Deus, sentado num alto e sublime trono. O que significa dizer que Isaías teve uma visão da soberania do seu criador, do todo poderoso. Não homens ou Reis humanos é que devem ser vistos, seguidos, mirados e contemplados. Sempre que depositamos nossa visão e confiança nos homens, acabamos por enfrentar uma grande crise. Isto porque o homem, por si só é limitado e falho, sujeito a toda sorte de fraquezas possíveis.

O profeta Isaías teve uma visão de Deus, o soberano dos Reis de toda terra, O Senhor dos Exércitos; somente Deus é quem governa o mundo, a história humana, a vida dos povos (6.1 e 3). Sem uma visão clara de Deus na vida e na obra missionária o que resta é, sem sombra de dúvidas, medo, crise, caos e desencontro. Por isso, o chamado do profeta começa com uma clara visão de Deus assentado no trono, no comando, no governo, na direção da história.

Apesar do caos reinante. Este mundo não caminha baseado nas forças humanas, ou nas forças históricas: Deus é quem está assentado no trono e tudo vê, conhece e comanda. Ele é o protagonista da história. Este é o Deus do profeta Isaías. Este é o nosso Deus, o qual adoramos porque só ele é digno da nossa adoração.

O chamado profético implica numa visão de nós mesmos no contexto de missões – visão antropológica

Uma visão correta de Deus implica numa visão correta de quem somos. Ou seja, da nossa própria essência. (esta “Glória” visível também aparece em EZ. 8. 4ss.). Todo encontro com Deus é na verdade um encontro conosco, pois é em Deus que nos achamos: a luz de Deus põe às claras quem somos, a nossa situação; assim, entendemos, conhecimento de Deus implica num autoconhecimento. É a capacidade de entender que somos parte do problema, que somos co-responsáveis pela crise e pelo caos presente neste mundo, e porque não dizer no Brasil.

Um encontro sincero com Deus é, também, um encontro sincero consigo mesmo. Foi justamente isto que aconteceu na vida do profeta, e com certeza não é diferente na vida da igreja de Cristo hoje, da qual somos parte. O encontro com o Senhor é na verdade o desencontro com tudo aquilo que nos causa temor e insegurança, medo e inquietação. Por isso, no Encontro com Deus, as nossas mentes são transformadas e nossos caminhos iluminados, porque Deus nos revela quem é. E, diante da sua grandeza, descobrimos quem somos. E por isso temos um coração missionário.

O chamado profético implica numa visão da sociedade

Ao encontrar se com Deus, em meio ao sofrimento e ao caos da vida, ao saber-se co-participante deste caos, o profeta Isaías tem uma visão nítida e crítica da sua sociedade; Já vai muito longe o tempo em que se esperava que a igreja e seus profetas se limitassem a uma visão meramente teológica e psicológica da realidade, sem uma visão clara da sociedade, da política que a rege. É impossível apontar os melhores caminhos, pois a sociedade como podemos ver deve ser estudada e analisada de todos os ângulos.

O profeta Isaías teve uma visão clara e bastante crítica de seu mundo quando disse: “Sou homem de lábios impuros, e habito no meio de um povo de impuros lábios”; e os meus olhos viram o Rei o Senhor dos Exércitos! (6,5). Hoje temos muita gente com boa visão dos graves problemas sociais que nos afligem, mas sem qualquer autocrítica; ou gente muito
preocupada em corrigir-se, em melhorar, em crescer, progredir, fazendo da própria vida um gueto de autopromoção e sucesso individual; gente que precisa da gente, mas, não é gente como a gente. É gente sem coração, sem alma, sem ética, sem amor, sem pudor.

O profeta tem uma visão clara de si e do mundo em que vivia, do seu povo e história, longe de Deus e com mera visão de homens. Para que haja novos caminhos e novos protótipos e paradigmas é preciso ter uma visão de Deus como Soberano, uma visão crítica da sociedade, uma visão crítica de si mesmo. Não a mera crítica sem significado e sem nexo. Esta deve ser a postura profética da igreja de hoje à luz da visão profética de Isaías. Uma igreja que, apesar de saber das suas limitações, é militante e prudente em obediência ao ide do seu bom mestre Jesus.

Concluindo

Como já falamos, o chamado profético tem suas implicações, numa visão clara do conhecimento do próprio Deus, do homem como um todo e da sociedade em geral. Mas será que somente isso é suficiente? Será que nosso mundo deseja pessoas que somente apontem caminhos, façam críticas, sejam questionadoras? Se o profeta Isaías ficasse ali somente a julgar o mundo e a si mesmo diante da grandeza do Deus altíssimo, com certeza não teria compreendido a visão do seu chamado.

O mundo já tem “profetas questionadores em demasia!” A diferença do chamado de Deus para o profeta está no compromisso, diz nos o texto “então dizia o Senhor: A quem enviarei, e quem há de ir por nós? Disse eu: Eis-me aqui, envia-me a mim” (. 9-13). O Senhor envia o seu profeta a proclamar a sua palavra a tempo e fora de tempo, vers 11 – “então disse eu: até quando, Senhor? Ele respondeu: até que sejam desoladas as cidades e fiquem sem habitantes, as casas fiquem sem moradores, e a terra seja de todo assolada”. Isto na verdade vai além da pergunta feita pelo profeta. Pois não cabe ao homem conhecer os planos de Deus, mas apenas ser obediente ao seu chamado.

Assim como Deus chamou o profeta Isaías para realizar a sua boa obra. Somos também chamados a realizar a mesma, ainda que em outro tempo na história, o presente tempo exige gente que seja capaz de assumir para si responsabilidade de fazer alguma coisa neste mundo, sendo assim instrumentos nas mãos de Deus.

A Igreja do Senhor Jesus é àquela que recebe dele mesmo uma nova visão para a vida e chamada, visão esta que pode iluminar o buraco negro da nossa existência em meio ao caos da atualidade e desafios missionários no Brasil e no mundo. A quem Deus deu a Visão, fez também um Chamado. E a quem chamou também capacitou.

Que a nossa postura como igreja Missionária de Cristo que somos, e como povo eleito do Deus vivo, em meio ao caos e à ausência de sentido deste mundo tão violento e injusto, tenha a mesma essência e propriedade das palavras que saíram da boca do profeta Isaías; quando disse: “Eis-me aqui, envia-me a mim” .

Pr. Sebastião Ludovico Santos
Pastor da PIB Vidigal